quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Notícias Populares

    O Mestrado tem-me retirado tempo para outras coisas da vida, sobretudo no que à leitura e análise de notícias diz respeito. Algo também impulsionado pela visão mais académica e menos prática deste programa quando comparado com a licenciatura.
Nestes últimos tempos tenho tentado recuperar este gap, e qual não é o meu espanto quando ao abrir o “Diário Económico” e vejo escarrapachada a mesma notícia que tive oportunidade de ler, aquando da minha estadia no Canadá... Em 2010! "Mercados temem que Portugal siga guião grego", sendo que o “Financial Times” segue a mesma linha de pensamento.
Quase que podia dizer: “Parece que os jornalistas desistiram de escrever coisas novas à espera que eu voltasse a abrir o jornal”. Deixei de estar bastante informado há alguns meses, mas nunca totalmente desprovido de informação, e é portanto de admirar que hoje se escreva exactamente o mesmo que há mais de um ano atrás, mesmo que com números diferentes.
Agora a dívida pública já vai nos 105%, as taxas de juro a 10 anos já vão no 17%, a contracção da economia foi de 2% e espera-se que chegue aos 3% no final do ano, e tudo isto com tendência a subir de tom. Ah claro, e não nos podemos esquecer que agora somos LIXO (não sei porque se continua a por aspas, se na verdade é isto que se quer dizer).
Cheguei há poucos dias de uma incrível viagem a NY, como não podia deixar de ser, mas fait-divers à parte tive oportunidade de discutir alguns temas interessantes com diversas personalidades do mundo da banca de investimento (tão apreciado pelos meus amigos de finanças e numa pequena particularidade, agora também por mim). Numa dessas conversas "informais", tive oportunidade de ouvir da boca de Luis, Cheaf Economist do Economic Department Research da JPMorgan, uma descrição algo intuitiva do que têm sido as agências de rating nos últimos anos, às quais tomei a liberdade de adicionar algumas observações da minha autoria.
Dizia ele que estas agências andaram sempre atrasadas em relação à informação fornecida pelo mercado, não confundir com Mercados (a letra maiúscula e o plural são mais assustadores, apesar de ainda não ter percebido de onde vêm e o que são), na medida em que as suas avaliações eram feitas apenas depois de os factos se consumarem, e geralmente com um bom lag. Ora isso levou os investidores a indexar os seus investimentos a estes ratings, ninguém queria estar mais atrasado que uma agência como a Moody's. Entretanto deu-se a crise do sub-prime, muito por culpa deste atraso na correcta avaliação dos possíveis investimentos, dando azo, por exemplo, à existência dos tão aclamados activos "tóxicos".
Resultado esperado: descredibilização das agências de rating
Resultado efectivo: mudança no timing da avaliação feita aos activos em questão, incluindo títulos de tesouro.
Ou seja, ao invés de já ninguém acreditar nelas, passou tudo a acreditar piamente nas mesmas, mas pior, as agências não queriam cair no mesmo erro do passado, e agora em vez de andarem atrás do tempo tentam andar à frente. As avaliações dos activos têm em perspectiva o futuro, e aquilo que estes irão valer. Esqueceram-se (ou não) é que com a indexação dos investimentos aos seus ratings, as suas previsões se tornam efectivamente realidade. Citando Paul Samuelson: "If people believe in your economic theory, this same theory will indeed be verified. No need to verify it algebraically!"
O mesmo se passa/passou, com as agências de rating. Ainda assim tenho dificuldade em compreender como é que duas situações teoricamente tão pouco semelhantes, Portugal e Grécia, podem ser virtualmente idênticas para os tais Mercados. Segundo o BNP Paribas: “Apesar de Portugal ter menos dívida pública, um défice menor, maior credibilidade e consenso político, a recessão pode tornar o país na próxima Grécia.”… Como? Não devo ter percebido bem, basicamente todos os indicadores são menos maus, e muito provavelmente o nível de recessão é também mais baixo que o grego, mas a probabilidade de default acabará inevitavelmente por ser a mesma. Sou só eu que acho estranho? Mas afinal o que são os Mercados? Que critérios de avaliação são estes? Baseiam-se no “acho”? Alguém?
Ainda outro dia, numa pequena conversa acabei por afirmar que ler o jornal como exercício diário, especialmente os económicos, não era uma tarefa tão complicada como aparentava ser, sobretudo porque não há notícias bombásticas todos os dias, e porque se se acompanhar de perto o desenrolar dos acontecimentos não é difícil perceber o que vai acontecer amanhã. O que não estava à espera era de ver os mesmos erros repetidos vezes sem conta, no passado isto originou a situação em que vivemos hoje, e agora terá o efeito de agravar a nossa actual situação. Lembro-me que o “Financial Times” levou cerca de 3 meses até publicar uma notícia que dizia que Portugal não era a Grécia, o que já veio tarde porque o pior já tinha tomado lugar, além disso não passou dum quadradinho no canto desse imenso jornal. Agora repetem a mesma brincadeira, e parece que ninguém quer saber.
Portugal continua a ser a Grécia sem o ser e isso no mínimo… chateia-me!

6 comentários:

  1. Não foi o "atraso na avaliação correcta dos investimentos" que "deu azo à existência de activos tóxicos". Estes sabiam-se tóxicos pelos mesmíssimos bancos de investimento que os financiavam...Na verdade, em bolsa, estes bancos apostavam contra esses activos; o que levou a que: apesar do rebentar de bolhas, de investimentos que eram "tóxicos", os bancos de investimento tenham tidos excelentes resultados - o que naturalmente levou a excelentes bónus atribuídos em Wall Street. O papel das agências de rating, era só garantir no NY Times que estes "lixos tóxicos" tinham AAA e AA poucos dias antes de rebentarem! Lehman Brothers e AIG são exemplos directos e inquestionáveis disso. Mais sobre essas agências de rating: nós, portugal, sermos "lixo" é um jogada política Dólar VS Euro, apenas. O dólar precisa de investimento, de financiamento externo; a dívida do dólar e dos EUA é gigantesca, e nós sermos lixo, este ataque ao Euro (e não a Portugal, nem sabem onde Portugal fica), é para isso mesmo. E é aliás por isso que a Merkel e o Sarkozy nos vieram "defender". Para veres o quão estreitas são as relações: Rating Agencies - Investment Banks - US Treasury Secretaries faz um Google a : Larry Summers, Timothy Geithner ou Henry Paulson...Faz isso e vê o documentário "Inside Job". Contra factos...

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  2. Desde já obrigado pelo teu comentário e interesse.

    Tens razão quando dizes que não foi o atraso que originou activos tóxicos, passei mal a aminha ideia, o que queria dizer era que esse atraso espalhou estes activos por todo o sector bancário e quando de facto se aperceberam que a sua qualidade não era tão elevada como fizeram parecer, o sistema já estava completamente infectado.

    Já em relação ao único objectivo das agências ter sido o de manter os triplos A nos jornais, não sei até que ponto foi uma acção premeditada, a bem ver, ninguém quer ser o primeiro e responsável por rebentar uma bolha de especulação, pois os danos imediatos são catastróficos.

    Numa primeira análise tenderia a concordar contigo que isto não passa de uma guerra de especulação contra o Euro. No entanto se isso fazia sentido à uns meses atrás, agora o paradigma mudou.

    Os Estados Unidos precisam de uma Europa forte para continuar a crescer, nós somos grandes clientes, e assim que entrarmos em crise eles também vão sofrer, mesmo que recebam algum investimento externo extra.

    Mais ainda, os merecados financeiros de hoje em dia estão muito interligados (facto consolidado pela aquisição da NYSE por parte da Euronext), a queda da UE e consequentemente do Euro teria efeitos devastadores em todo o mundo visto ser uma zona com grande peso no comércio internacional, em particular no que a investimento estrangeiro diz respeito, sendo que as economias europeias são das que mais investem fora das suas fronteiras.

    Só para rematar, quanto à dívida dos US não há dúvida que é grande, mas há dois pontos a salientar:
    1- É sustentável? sim
    2- Pertence aos chineses? sim
    Estas estão altamente interligadas, mas como tu próprio referiste é uma dívida contraída em dólares. Eles estão aparentemente na mão dos chineses mas o contrário também é verdade. Imagina que os US não conseguem suster a sua dívida. Os seus juros aumentam ao mesmo tempo que a depreciação do dólar é obrigatória. Sendo que a dívida que os chineses compraram foi contraída nesta moeda, o seu valor vai diminuir drasticamente e eles vão perder biliões!
    Agora imagina o contrário, que o dólar aprecia bastante relativamente ao Euro (a outra moeda de referência), aí o efeito será o inverso e isso não é do interesse dos US que pretendem continuar a ser a maior potência do mundo.

    Por isso digo que o paradigma é um pouco diferente daquele que temos à primeira vista, e que não seja tão clara a guerra contra o Euro.

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  3. Camarada Cluny,

    o comentário aqui : http://quantumobjects.wordpress.com/2012/02/08/das-agencias-de-rating/

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    1. Totalmente de acordo!

      Aliás a incapacidade de avaliação dos bancos relativamente aos investimentos foi de facto abordada na conversa, e está intrinsecamente ligada ao facto deste timing estar agora à frente de tudo o resto. O que se passa é que, tal como referiste, sendo que os investimentos estao actualmente indexados as avaliaçoes das agencias de rating, qualquer avaliação que elas façam se tornam na realidade, fazendo com que os bancos percam grande parte do seu papel e daí a falta de sentido do sistema.

      Quanto às notícias populares não há de facto dúvida que é o que temos hoje em dia, e para mim é cada vez mais difícil conviver com isso, mas o problema não está só em quem as escreve mas também em quem as lê e se conforma, não procurando outras perspectivas (provavelmente mais correctas).

      Resumindo: não podia concordar mais contigo, e obrigado pela explicação do caso da Enron, o qual desconhecia.

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  4. Considerei oportuno comentar no sentido em que já há umas semanas que andava a pensar no mesmo. Considero que seja vantajoso para alguns investidores que Portugal seja colocado no mesmo patamar que a Grécia, mesmo sendo diferente em variados aspectos económicos, como os que foram referidos no post.

    Numa visão generalizada, quando um país é considerado Lixo, podemos encontrar associado ao mesmo yields maiores, visto o risco de não haver total cumprimento é maior.

    Aproveitando toda a crise que foi gerada na Europa e que tem tido tanto impacto mediático, classificar Portugal como Lixo (que considero demasiado) e, acima de tudo, divulgá-lo aos investidores como igual à Grécia pode ter algumas vantagens (não para o país nem para a população portuguesa em geral, claro). Para quem perceba que investir em algo que é classificado e avaliado como um risco demasiado elevado para ser proveitoso, obtendo assim a possibilidade de yields maiores do que as que deveria ter, e continuando a ter mais segurança no investimento do que a que deveria ter associada a este nível de rating, investir em Portugal pode ser uma boa opção. Para quem não perceba, e que é excelente para quem percebe para controlar e manter reduzido o numero de investidores, Portugal vai continuar a ser visto como o companheiro da Grécia na brincadeira do incumprimento e um péssimo sítio para investir o dinheiro, dificultando assim a limpeza da nossa imagem financeira e económica no mundo actual.

    Esta foi apenas uma reflexão minha sem grande pormenor sobre o assunto que achei por bem partilhar. Não sei até que ponto está do vosso acordo mas pareceu-me interessante.

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  5. Guilherme, obrigado pelo teu comentário e desculpa a resposta tardia.

    Sem dúvida que há muitos interesses por detrás disto, e é difícil saber quem investe e quem dita o comportamento padrão. No entanto à que ter uma visão um pouco mais ampla do problema. Não se trata apenas de uma conspiração de alguns contra Portugal, mas de algo mais complexo e com mais mecanismos. Isto é, não foi obra do acaso Portugal ter chegado a esta situação, mas sim o resultado de anos e anos de comportamentos incomportáveis para os anos vindouros. O nível da dívida acabou mesmo por atingir um patamar insustentável, daí a inicial subida dos juros.

    De qualquer forma concordo que a especulação contra a dívida portuguesa pode gerar ganhos para certos investidores. Por exemplo, na eventualidade de se poder fazer short-selling (algo que não estou certo ser possível em relação a dividas soberanas) a espiral funciona numa direcção descendente. É assim que funciona o mercado e como já disse, se todos acreditarmos que vamos falhar, acabamos mesmo por falhar.

    Só para terminar, não sei se leste os outros comentários, mas acho que também são interessantes na medida em que alguma informação é complementada e alguns aspectos debatidos.

    Cumprimentos e espero que continues a seguir o blog

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